I. OBJETIVO
Oferecer subsídios para a correta avaliação da gestante de baixo
risco no diagnóstico e acompanhamento do trabalho de parto.
II. DEFINIÇÃO DE TRABALHO DE PARTO (TP)
Processo através do qual um útero gravídico, por meio de atividade
contrátil, expulsa um feto com idade gestacional igual ou superior a 20 semanas.
Pode ser: Pré-termo 20 a 36 semanas e 6 dias
Termo 37 a 41 semanas e 6 dias
Pós-termo > 42 semanas
III. COMO DIAGNOSTICAR O TRABALHO DE PARTO
É necessária a presença de 3 critérios, a saber:
Presença de pelo menos 3 contrações uterinas regulares, rítmicas e com duração de pelo menos 30s em intervalos de 10min, de intensidade suficientemente forte para causar dilatação do colo uterino.
Colo uterino dilatado pelo menos 3cm.
Grau mínimo de apagamento do colo uterino
Outros sinais, como perda de tampão mucoso, discreto sangramento transvaginal (trabalho de colo) ou mesmo formação da bolsa das águas, podem acompanhar o TP, porém são sinais variáveis e não devem ser usados como critério diagnóstico.
Vale salientar que, em nulíparas, deve-se dar mais atenção à cérvico-dilatação, em detrimento da atividade uterina; acontecendo exatamente o inverso nas multíparas, que podem apresentar-se com dilatação cervical de até 4cm sem, no entanto, estarem em trabalho de parto (ausência de atividade
uterina).
É importante ter em mente todos estes critérios para saber diferenciar o verdadeiro do falso trabalho de parto (contrações de Braxton Hicks) ou mesmo da fase latente do trabalho de parto (pródromos) evitando-se, assim, internamentos desnecessários e/ou precoces.
Pacientes com falso trabalho de parto ou no período prodrômico devem ser orientadas quanto ao seu quadro e enviadas de volta à sua residência, tomando-se o cuidado, nestes casos, de orientá-las para retornar ao serviço médico quando as contrações estiverem mais intensas, freqüentes e regulares.
Pode-se, também, optar por manter essas pacientes em observação e reavaliá-las dentro de 1-2h. Nos casos em que houver implicação social, as gestantes podem ser admitidas na sala de parto precocemente.
IV. CONDUTA DA ADMISSÃO DA PACIENTE EM TRABALHO DE PARTO
Uma vez diagnosticado o trabalho de parto em sua fase ativa, o
médico assistente deve proceder à propedêutica de internamento na sala de parto.
A) Anamnese:
Deve-se fazer interrogatório completo sobre as queixas da paciente, história da gestação, passado obstétrico, patologias associadas, uso de medicamentos, grupo sangüíneo, movimentação fetal, data da última menstruação, etc. Muitas dessas informações podem ser obtidas e/ou complementadas através do cartão da gestante.
B) Exame clínico:
Deve incluir:
- ausculta cárdio-pulmonar
- medida dos sinais vitais (pressão arterial, pulso arterial e temperatura)
- pesquisa de palidez cutâneo-mucosa e edema subcutâneo.
C) Exame obstétrico:
Deve incluir:
- Manobras de Leopold, evidenciando-se fundo uterino, tipo de situação,
posição e apresentação fetal, e presença ou não de insinuação do pólo fetal.
- Mensuração de altura do fundo uterino
- Ausculta dos batimentos cardíacos fetais (BCF)
- Toque vaginal (já realizado no momento do diagnóstico) evidenciando-se
grau de dilatação, apagamento e posição do colo uterino, formação da bolsa das
águas, tipo de apresentação, variedade de posição fetal e grau de deflexão do
pólo cefálico (caso haja).
- Avaliar atividade uterina descrevendo-se sua intensidade, freqüência,
duração e regularidade.
OBS: Nos casos em que houver suspeita de amniorrexe prematura ou placentação anômala o toque vaginal deve ser postergado; realizando-se, de imediato, o exame especular. Evita-se, dessa forma, o risco de infecção ascendente, naquela, ou STV, nesta.
D) Medidas gerais:
- Abertura do partograma
Nas pacientes em trabalho de parto na fase ativa, deve-se proceder à abertura do partograma (já citado em capítulo anterior) descrevendo-se, nos devidos espaços, uma gama de informações úteis no acompanhamento do TP, já obtidas durante a propedêutica de admissão.
- Tricotomia pubiana
Não há evidências científicas de seus benefícios.
- Clister evacuativo
Assim como na tricotomia pubiana, trabalhos recentes tendem a desestimular tal prática durante o trabalho de parto; porém, não são suficientemente conclusivos para tal.
- Higienização da paciente
Deve ser realizada na forma de banho geral, desde que não se encontre com mais de 7cm de dilatação cervical.
- Utilização de vestes apropriadas
Troca das roupas da paciente pela bata do serviço, ainda na admissão.
- Restrição alimentar
Grávidas encaminhadas de volta à sua residência, na fase latente do TP, com baixo risco para intervenção abdominal, devem ser encorajadas a ingerir apenas alimentos leves.
As internadas no início da fase ativa, com baixo risco para parto cesariano, podem ingerir líquidos claros (água, chá), suspendendo a dieta à medida que o TP evolui ou na presença de intercorrências. O uso de alimentação sólida ou à base de laticínios está sempre proscrita.
Nas gestantes de risco elevado e/ou com possibilidade de parto cesariano, é contra-indicada qualquer tipo de alimentação, mantendo-se o estado de jejum.
Vale salientar que, em todos os casos, prevalece o bom senso do obstetra e do anestesista, na hora de manter ou não o jejum.
- Encaminhar a paciente ao centro obstétrico.
V. ADMISSÃO DA PACIENTE NO CENTRO OBSTÉTRICO
Ao chegar ao centro obstétrico a paciente será recebida pela equipe
multidisciplinar, encaminhada ao leito, avaliada, novamente, pelos médicos
plantonistas, sendo definida uma conduta expectante ou intervencionista,
dependendo de cada caso.
VI. MEDIDAS GERAIS DE CONDUTA NA SALA DE PARTO
A) As pacientes devem ser encorajadas, desde que apresentem dilatação
cervical <7cm, a não permanecerem restritas ao leito durante o início da fase ativa
do TP. Cabe ao médico obstetra e à equipe de enfermagem orientá-la quanto ao
uso da bola e do cavalinho, à possibilidade da deambulação (excluindo-se casos
com amniorrexe e sem insinuação de pólo cefálico pelo risco de prolapso de
cordão e/ou membros) e adoção de posição sentada, podendo adotar uma destas
práticas ou todas de forma intermitente. Caso prefira a posição horizontal deve-se
orientar o decúbito lateral esquerdo por propocionar melhor fluxo útero-placentar e
diminuição dos níveis pressóricos.
B) Durante o TP ocorre aumento da secreção vaginal e sudorese intensa. É
importante estimular o banho como forma de higienização, conforto e bem estar.
Se possível, realizar a troca da roupa de cama e da bata da grávida.
C) Apoio psicológico por parte da equipe multiprofissional
D) Restrição alimentar (já discutido anteriormente)
E) Pode ser ofertada à parturiente massagem no dorso
VII. ACOMPANHAMENTO OBSTÉTRICO NA FASE ATIVA DO TRABALHO
DE PARTO (1° período)
A) Deve-se proceder a avaliação da gestante no máximo a cada duas horas.
Devem ser aferidos sinais vitais, auscultados os batimentos cárdio-fetais e
realizado o toque vaginal, analisando-se a dilatação, apagamento e posição do
colo uterino, integridade da bolsa das águas, variedade de posição do pólo fetal,
altura da apresentação e presença ou não de bossa serossanguinolenta. Além
destes parâmetros é de fundamental importância avaliar a contratilidade uterina
descrevendo-se, mais uma vez, sua freqüência, intensidade, duração e
regularidade. É imprescindível o correto registro dos dados obtidos
OBS 1: Em casos de amniorrexe prematura o toque vaginal deve ser restrito
até no máximo 4 toque durante todo o TP.
OBS 2: Os BCFs devem ser auscultados a cada 60 minutos, no início da fase
ativa do TP; sempre antes, durante e após as contrações uterinas. Durante a fase
ativa a ausculta deve ser realizada a cada 30 minutos nas gestantes de baixo risco
e cada 15 minutos nas de alto risco.
B) Achados na fase ativa de um trabalho de parto eutócico:
Evolução da dilatação do colo uterino de cerca de 1,2cm/h, em
nulíparas, e 1,5 cm/h em multíparas, em média.
Os BCFs devem manter-se entre 110 e 160bpm, salvo durante
acelerações transitórias.
Discreta elevação da PA pode ser justificada pelo próprio TP, porém
picos hipertensivos são inaceitáveis.
A contratilidade uterina deve ser de 3-4 contrações em 10 minutos, com
duração entre 45-60s.
A descida da apresentação deve ocorrer concomitantemente à
evolução da dilatação cervical.
No caso de bolsa rota, o líquido amniotico deve ter aspecto claro.
C) Os dados obtidos serão transcritos no partograma. Deve-se atentar para
evolução insatisfatória do TP, observando-se as linhas de alerta e ação do gráfico.
Uma vez encontrados parâmetros anormais, a equipe obstétrica deve tomar
conduta no sentido de tentar reverter a situação exposta ou mesmo, se isso não
for possível, promover a resolução imediata da gestação visando preservar o bem
estar materno-fetal.
D) Pode-se lançar mão da amniotomia, que é a ruptura da bolsa das águas
realizada propositadamente pelo obstetra, com uso de material apropriado e
durante a contração uterina. Apesar de comprovadamente reduzir o tempo do TP
em cerca de 60-120 minutos, não deve ser usada como procedimento de rotina,
uma vez que pode propiciar o incremento de desacelerações da freqüência
cardíaca fetal, alterações plásticas sobre o pólo cefálico, prolapso de cordão
umbilical e/ou membros e, ainda, infecção ovular e puerperal. No entanto, pode
ser aplicada para avaliar o LA perante suspeita de sofrimento fetal ou mesmo
auxiliar na descida da apresentação quando suspeitada distócia de acomodação.
Uma vez indicada, não há grau de dilatação cervical específico para que se faça o
procedimento.
Ao realizá-la deve-se manter o dedo dentro da cérvice, até o
completo esvaziamento do LA com perfeito encaixe do pólo fetal no colo uterino;
evitando-se, assim, o prolapso de cordão umbilical. O procedimento é
desaconselhável em casos de polidramnia pelo risco de descolamento prematuro
de placenta e/ou prolapso de cordão.
E) Quando evidenciada hipocontratilidade uterina e descartada desproporção
céfalo-pélvica, pode-se usar ocitocina 5 UI em 500ml de SG5%, correndo
10gts/min, com o objetivo de incrementar a atividade uterina e evitar resolução da
gestação por via alta.
VIII ACOMPANHAMENTO OBSTÉTRICO NO PERÍODO EXPULSIVO
(2°período)
A) O período expulsivo inicia-se quando se atinge o grau máximo de dilatação
cervical. A grávida começa a apresentar movimentos expulsivos involuntários e
reentrantes (puxos). Observa-se o abaulamento da rima vulvar pelo pólo cefálico e
a paciente, muitas vezes, encontra-se impaciente e ansiosa. É observado, ainda,
desejo de evacuar devido à compressão da ampola retal. Caso ainda não tenha
havido ruptura espontânea das membranas, ela deverá ser efetuada.
OBS: Pode haver desencontro entre o início dos puxos maternos e a
dilatação cervical completa, podendo esta última ocorrer antes dos puxos e viceversa.
B) É neste período que ocorre a maioria dos fenômenos mecânicos do parto, a
saber:
- descida da apresentação
- flexão
- rotação interna
- extensão
- desprendimento do pólo cefálico
- restituição do pólo cefálico
- rotação externa
- liberação do ombro anterior
- liberação do ombro posterior
- expulsão fetal completa
OBS: Nas nulíparas, geralmente, a insinuação ocorre antes do TP. Já nas
multíparas isso pode ocorrer até no princípio do 2° período.
C) Ao identificar-se o início do período expulsivo deve-se preparar a paciente
para o parto. Atualmente, muitos serviços de obstetrícia já adotam a sala PPP
(pré-parto, parto e puerpério) aonde o parto ocorre na cama em que a gestante
passou o pré-parto, modificando-se apenas sua posição. Tal método é mais
cômodo e apropriado tanto para a equipe multiprofissional quanto para a
parturiente. Na mesa de parto, deve-se colocá-la em posição adequada, dando-se
preferência à posição verticalizada a 45° (semi-sentada), na qual observamos as
seguintes vantagens:
- favorecimento da respiração adequada
- atuação da força gravitacional
- melhoria da atividade uterina
- facilidade para o obstetra realizar o parto e intervir, se necessário.
- Melhor fluxo útero-placentário
D) Lembrar sempre de preservar a privacidade e o pudor da gestante
mantendo-se na sala somente o pessoal necessário.
E) Realizar assepsia da região perineal e face interna dos MMII, ao nível das
coxas.
F) A equipe assistencial deve estar completamente paramentada, incluindo
material de proteção.
G) No período expulsivo deve-se realizar ausculta dos BCFs a cada 5 ou
15minutos dependendo, respectivamente, se há ou não de fator de risco; sempre
antes, durante e após as contrações uterinas. No momento da contração pode-se
encontrar uma freqüência cardíaca de até 100 bpm, sem que isso represente,
necessariamente, um quadro patológico.
H) É primordial preocupar-se com a proteção ao períneo quando do
desprendimento do pólo cefálico. A episiotomia não deve ser feita de forma
rotineira, sendo recomendado avaliação individualizada, após anestesia local ou
bloqueio de pudendo. Preferimos a incisão médio-lateral com tesoura de Mayo
reta em detrimento da incisão mediana, que, apesar de mais fisiológica, aumenta
o risco de lesão perineal de 3o grau (comprometimento de esfíncter anal e/ou
mucosa retal), cuja correção pode ser extremamente complexa e suas
consequências bastante desagradáveis como, por exemplo, incontinência fecal.
I) Após realização da episiotomia segue-se o desprendimento do pólo cefálico
(parto eutócico). O obstetra deve, então, pesquisar a existência de circular de
cordão, reduzindo-a por sobre o pólo cefálico ou clampeando-a e seccionando-a,
caso haja dificuldade em realizar tal manobra. Nos casos de rápida expulsão fetal,
aonde não haja tempo hábil para se desfazer a circular de cordão, pode-se passar
a mesma por sobre os ombros fetais, enquanto segura-se o feto.
J) Desfeita a circular de cordão, caso haja, o obstetra deve segurar o pólo
cefálico com suas mãos espalmadas sobre os parietais, enquanto ocorre a rotação
externa, e pressioná-lo para baixo (posição semi-sentada), liberando o ombro
anterior e, em seguida, para cima, sendo agora liberado o ombro posterior.
Seguindo-se, então, a expulsão completa fetal.
K) Nunca esquecer de, uma vez desprendido o pólo cefálico, aspirar secreções
em orofaringe e narinas
L) Após o nascimento, é mandatório enxugar o RN, aquecendo-o, novamente
promover aspiração de orofaringe e narinas, clampear e seccionar o cordão
umbilical e entregá-lo à mãe envolvido em lençol aquecido para que se possa
iniciar o aleitamento materno (neonato com Apgar >6 e sem presença de
mecônio).
Estudos atualizados nos mostram que não foi evidenciada relação
entre o momento do clampeamento do cordão e melhores resultados perinatais.
Desta forma o momento de fazê-lo fica a critério do obstetra. Não se deve,
entretanto, efetuar ordenha de cordão.
Caso o RN apresente Apgar < 7 e/ou presença de mecônio, deve-se
entregá-lo imediatamente aos cuidados do neonatologista.
VIII. ACOMPANHAMENTO OBSTÉTRICO A DEQUITAÇÃO (3° período)
Período de extrema importância devido à gravidade e complexidade
de suas complicações, cujas principais são:
- Sangramento transvaginal profuso (uma das principais causas de
mortalidade materna)
- Retenção de restos placentários provocando sangramento e/ou infecção
puerperal
- Inversão uterina
ATUALMENTE A CONDUTA ATIVA É RECOMENDADA NESTE
PERÍODO. APÓS DESPRENDIMENTO DO OMBRO FETAL ANTERIOR SE
INFUNDE OCITOCINA 10UI POR VIA ENDOVENOSA OU INTRAMUSCULAR,
TRACIONA-SE DELICADAMENTE O CORDÃO E REALIZA-SE MASSAGEM
SUAVE NO FUNDO UTERINO. ESTAS MEDIDAS SÃO RESPONSÁVEIS POR
REDUÇÃO DA FREQÜÊNCIA DE SANGRAMENTO PÓS-PARTO E DE
NECESSIDADE DE EXTRAÇÃO MANUAL DA PLACENTA.
O 3° período, também pode ser conduzido de forma passiva,
aguardando-se até 1hora pela expulsão espontânea da placenta; segurando-a,
ainda, no momento que a mesma transpõe a vulva, impedindo-se que, por
gravidade, caia, propiciando a permanência de restos placentares dentro do útero.
Quando se evidenciar STV importante, acompanhado de atonia
uterina, com ausência de formação do globo de segurança, deve-se utilizar
ocitócitos. Havendo suspeita de retenção de material intra-útero, a curagem
deverá ser efetuada.
Nos casos de parto vaginal após cesárea anterior também indica-se
revisão de cavidade uterina, procedimento que sempre deve ser realizado sob
anestesia.
Depois de retirada a placenta é mandatório realizar sua revisão,
evidenciando-se ausência ou não de cotilédones, assim como a integridade das
membranas e cordão umbilical. Realizar, ainda, revisão do canal de parto,
procedendo-se à sutura da episiotomia, caso realizada, ou de lacerações
decorrentes do parto. Orienta-se utilização de fio cat-gut cromado 2-0.
Caso a dequitação ultrapasse 1h, ou haja STV importante, deve-se
realizar a extração manual da placenta, seguida de curagem, realizando reposição
volêmica e/ou uso de ocitocina, se necessários, previamente ao procedimento.
Na hora que se segue após a dequitação, o chamado 4o período,
deve-se, ainda, manter controle rigoroso dos sinais vitais, assim como observação
do STV. Nas horas seguintes, observar a loquiação, alimentar a paciente,
promover seu asseio e estimular a deambulação e amamentação.
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